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PSICOLOGIA DO PSICÓLOGO

Por Fernando Fontoura

Fundamentalmente é preciso compreender que em filosofia clínica o terapeuta não dá conselhos nem opiniões. A opinião do terapeuta não interessa de maneira alguma. Sua visão de mundo, sua perspectiva pessoal, seus juízos de valor não têm a mínima serventia em filosofia clínica. Ao contrário, contaminam e prejudicam o processo terapêutico.


A postura fenomenológica do terapeuta, aquela postura que reage ao que aparece, mas somente depois de compreender de forma ampla o que é que está aparecendo, é para proteger o partilhante (partilhante é o nome que damos àquele que faz a terapia com um filósofo clínico). Proteger de quem e de quê? Proteger do próprio terapeuta, pois ele é uma ameaça potencial se invadir com suas opiniões e juízos pessoais o que vem da narrativa do outro. O terapeuta é a primeira “peça” que pode invalidar a terapia, se resolver dar sua opinião ou aconselhar segundo suas perspectivas pessoais.


Então, quando um partilhante pergunta ao terapeuta “o que devo fazer?”, se o terapeuta já tem uma noção ampla da estrutura interna dele e dos seus modos de ser no mundo, poderá entabular um diálogo em construção compartilhada mostrando o que percebe, o que vê no outro e mostrar sua percepção para que o partilhante valide ou não essa percepção. E somente após esta validação do partilhante é que o terapeuta está “liberado” para falar de forma mais dialogada, mas nunca dando opiniões ou conselhos através de sua perspectiva pessoal.
Quando um amigo meu foi ao psicólogo e contou sua problemática ou questão urgente, da qual é uma adição de comportamentos, coisas a resolver, muitas frentes a atuar e todas essas ao mesmo tempo com muitas questões importantes, urgentes e necessárias de atuação, e por isso mostrou toda sua ansiedade e sofrimento e o psicólogo, depois de ouvir uns 40 minutos na primeira sessão entre eles, diz “Está claro que seu problema é que você faz tudo para todos e não tem apoio algum, e que então precisa sair desta situação de qualquer forma”, qual é a forma de compreender isso o que disse o terapeuta?


A pergunta que faço é a seguinte: qual autor ou teoria psicológica está por trás desta frase do psicólogo? E outra pergunta: qual é a justificação metodológica ou terapêutica para essa frase que ele disse?


Para a primeira pergunta, a resposta, para mim, é clara: não há autor ou teoria psicológica nenhuma nesta frase, mas simplesmente a opinião e perspectiva pessoal do psicólogo. E isso é de um erro ético absurdo, pelo menos em filosofia clínica. Pois querendo ou não o psicólogo – como qualquer terapeuta, inclusive o filósofo clínico – está investido socialmente de uma “capa” de “especialista”, de que quando fala sabe do que está falando e de que tudo o que diz está amparado por amplos e profundos conhecimentos oriundos de estudos e da prática. Por isso que o terapeuta deve ter todo o cuidado para expressar qualquer afirmação ainda mais sobre o outro. Nada que sai do terapeuta é inócuo, incolor ou insípido.


Outra coisa com esta frase do psicólogo é que ela é completamente ambígua, polissêmica. Pode se dar qualquer interpretação que se queira. Uma afirmação ao mesmo tempo perigosa e vazia. E, em um momento de desespero emocional, meu amigo poderia ter interpretado essa frase de muitas e muitas maneiras. Uma das quais foi ter que se separar de sua esposa de mais de 30 anos de casamento. Afinal, ele tinha que ter um “ponto de fuga”, uma orientação para uma ação rápida, pois sua vida estava à beira do precipício. E o psicólogo deu essa “orientação”.


Para a segunda pergunta que faço, sobre qual é a justificação metodológica ou terapêutica para essa frase dita pelo terapeuta, a resposta é que não há. A psicologia e a psicanálise se preocupam tanto com a transferência e contra-transferência entre seus pacientes/analisandos exatamente porque a fronteira entre as afirmações dos teóricos e teorias que eles estudam e as suas próprias subjetivações pessoais em forma de juízos de valor é tão tênue que tudo se confunde com a maior facilidade. A postura, muitas vezes, é de distanciamento, mas quando abrem a boca é sua opinião pessoal que acaba aparecendo, no mais das vezes, “apoiada” em algum autor ou teoria, mas efetivamente não há demarcação clara entre sua opinião pessoal e da um autor ou teoria.


A psicologia mais parece uma atividade mascarada de distanciamento terapêutico onde o que surge nas conversas e diálogos entre o terapeuta e o paciente é sua opinião pessoal através de seus valores e visão de mundo subjetivos. E não são poucas pessoas que se sentem incômodas e perturbadas com as declarações desses terapeutas. Não porque falaram verdades ocultas sobre seu ser, mas porque questionaram abertamente – às vezes ambiguamente, como foi este caso aqui – os valores pessoais do paciente. E de onde vem esse questionamento? De sua visão particular sobre valores.


Essa influência que nós terapeutas temos nas pessoas que fazem terapia com a gente está além da verdade sobre a capacidade que temos de fazer “leituras” abrangentes sobre suas vidas, seus pensamentos, emoções e práticas de vida. Mas assim a sociedade coloca nossa profissão. O especialista é hoje o “formador” de opinião, e só existe isso porque as pessoas querem que outros formem sua opinião. Neste jogo dialógico, o terapeuta deveria falar menos, investigar mais, ser menos presunçoso e muito mais como um arqueólogo que investiga cada minúcia daquele novo mundo antes de meter a mão desavisadamente naquilo que não conhece.

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Um olhar para a singularidade

Por Dioneia Gaiardo

Pensar a singularidade é um exercício de ver que “A vida insinua-se de um jeito único na subjetividade de cada pessoa, lugar privilegiado para decifrar os enigmas da natureza (…)”, os enigmas de sua própria natureza, da natureza das coisas e do mundo. Aí, no fenômeno da singularidade, há espaço para o “exótico aparecimento” e quem sabe por esses caminhos possamos acessar alguma identidade, alguma integridade sobre quem somos, um pouco mais leves das bagagens impostas.


Há quem busque comparações e generalizações ao longo da vida, há quem se adapte bem a esse modo de ser e ver as coisas, de ler o mundo através de termos gerais. Há quem se sinta completa ou parcialmente preso por essas tipologias, classificações e diagnósticos e, no entanto, careça de um outro tipo de olhar, o singular, ainda ofuscado, escondido em algum recanto seu ou do mundo, e sabe que algo em si fica sem espaço para transbordar diante de uma sociedade viciada em padrões, muitas vezes camuflados em discursos sobre valorizar a diversidade ou afirmações como “devemos ser diferentes”. Não devemos ser diferentes, já o somos e sempre seremos. Por mais que possamos compartilhar, ainda assim, as circunstâncias e significações são únicas.

Se não nos damos conta disso, o risco é nos tornarmos reféns da produção do igual imposta pelos padrões de normatividade que gera também a necessidade de sermos diferentes. E “essa vida” que nos joga de um lado a outro, que nos suprime em padrões convencionados/impostos é a mesma que nos obriga a sermos diferentes para que possamos, enfim, sermos reconhecidos. Antes ser um desconhecido na multidão, mas que conhece, ao menos um pouco, a si mesmo. Antes perceber que a produção do igual e do diferente está a serviço de mercados extremamente lucrativos – o mercado humano, da mente humana, do corpo humano…


Nesse sentido, a Filosofia Clínica evidencia que “As coisas podem adquirir propriedades diversas no vislumbre das singularidades”. Assim, a carência, o que nos falta, parece-me que é justamente o exercício da singularidade. O olhar extraordinário, surpreso, suspenso, desacomodado, incerto, investigativo, descontente, absurdo, instigante, mágico, ingênuo, a admiração, como diria Gerd Bornheim: “Na admiração, verifica-se um simpatizar, no sentido etimológico da palavra, um sentir unido ao real como uma presença (…) longe de impor-lhe o que quer que seja, o deixa ser em toda a sua dimensão, como plenitude de presença.”

* Texto originalmente publicado na Revista da Casa da Filosofia Clínica. Para edição completa da revista, acessar Revista da Casa da Filosofia Clínica – Editora Pragmatha

SE EXISTEM HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS, ENTÃO EXISTE DOENÇA MENTAL?

Por Fernando Fontoura

Essa é uma questão interessante. Porque na verdade, se abrirmos os olhos da cara perceberemos hospitais psiquiátricos construídos por aí, psiquiatras de jaleco branco perambulando por suas alas e celas (“celas” aqui não é uma metáfora. Assim como estes hospitais também têm “pátio” e “banho de sol”, exatamente na mesma linguagem das penitenciárias. E isso não é uma coincidência!), vemos drogas psiquiátricas vendidas nas farmácias e percebemos a atuação psiquiátrica sócio-política-jurídica em ação. E o que vemos, vemos! Não há dúvida!


Porém, um dos exercícios do pensamento crítico é revelar as motivações, intenções ou razões que os olhos da cara não veem. E também analisar pormenorizadamente as justificativas que dão para essas intenções, motivos e razões. Essa análise pode ser conceitual, linguística, moral, antropológica (entre outras, menos médica ou biológica). Esse movimento de análise podemos chamar de “heurística”, a técnica de investigação por detrás do que aparece, do que sustenta o que aparece. E é aí, nesta área, que o fedor do esgoto aparece. E seja qual for a área de estudos – filosofia, sociologia, antropologia etc. – uma vez sentido esse cheiro e vendo de onde ele vem, faz parte da ética da comunicação e da responsabilidade epistêmica de quem pesquisa, anunciar ou denunciar os dejetos que estão escondidos das coisas que os olhos da cara vê.


Então, mesmo que a construção arquitetônica “hospital psiquiátrico” exista e toda a parafernália e economia da loucura ou da doença ou desequilíbrio ou transtorno mental tenha ações e efeitos no mundo, isso não quer dizer que doença mental exista. A Disney movimenta milhões ou bilhões de dólares, as pessoas vão em direção aos seus parques e compram, se vestem, choram, riem, se espantam e toda uma economia do entretenimento se põe em prática por anos e anos – e sem data de final para isso, ao contrário, ainda cresce -, mas sabemos que Mickey Mouse, Pateta, Pato Donald e a Sininho não existem. Mas isso não impede que toda uma economia de práticas, ideias, conceitos, emoções e desejos funcione e tenha efeitos nas pessoas e no mundo.


O fato de pensar que ter hospital psiquiátrico e por isso há, então, doença mental, é um tipo de pensamento que chamo de “lógica do alvo”. Mais de um comentário de mais de uma pessoa nos meus vídeos sobre antipsiquiatria me perguntam ou me afirmam essa questão, defendendo que até a psiquiatria biológica pode ser abusiva, mas que há doença mental, pois existem hospitais psiquiátricos e estes tem pessoas lá dentro.


A “lógica do alvo” é um tipo de raciocínio onde primeiro se atira a flecha e depois se desenha o alvo ao redor, assim garante-se que nunca se erra. O fato de ter um livro atestando como se identifica as bruxas (O Martelo das Bruxas ou o Malleus Maleficarum, para mim um dos dois piores livros de toda a humanidade, sendo o DSM da psiquiatria o outro), e de que neste livro se mostra como se faz “tecnicamente” para expulsar o demônio de dentro das mulheres e de existir um tribunal de Inquisição para julgar essas questões, não quer dizer que demônios existam nem que há algo chamado possessão demoníaca. Eles fizeram o processo reverso, primeiro inventaram a “doença”, ou seja, atiraram a flecha, e depois, através de livros e técnicas inventados por eles, afirmam a existência dos demônios, ou seja, desenharam o alvo. O mesmo acontece com a psiquiatria biológica!


No livro O Sacerdócio Psiquiátrico, o autor Daniel Figueira escreve, “No período de perseguição às bruxas, a crença sustentada pela Igreja era a de que havia feitiçaria (o que justificava práticas opressivas impostas às pessoas de conduta divergente) e que, logo havia feiticeiras. Porém, como não havia fatos que corroborassem esta crença, tão logo se fabricavam feiticeiras a partir dos chamados procedimentos inquisitoriais de tal modo que o fato de uma mulher flagelada pela ‘Santa’ Inquisição e pela ‘Justiça’ Eclesiástica se tornasse prova factual de seu ‘crime’, isto é, a feitiçaria”.


A diferença fundamental de domínios aqui é entre fato e crença. Como diz Daniel Figueira, a morte é um fato, a vida após a morte, uma crença. Primeiro estabelece-se uma crença, a de que existe “doença mental”, portanto “doentes mentais”. Como se justifica essa crença? Pela ação dos psiquiatras ao diagnosticarem a “doença mental”. É uma lógica de círculo vicioso. E círculo vicioso é uma falácia lógica que se refere a “um erro de raciocínio na demonstração de uma proposição como sendo verdadeira por ser dependente da demonstração da verdade de uma segunda proposição que apenas pode ser realizada com base na verdade da mesma primeira proposição” (vale a leitura do livro Lógica Elementar de Desidério Murcho). É o mesmo erro que acontece com o conceito de saúde como saúde = ausência de doença(s). Sem definir doença não há como definir saúde.


Portanto, mesmo que os olhos vejam o que aparece, é importante ter um pensamento heurístico crítico para compreender aquilo que não está explícito, mas que existe como sustentação do que aparece. E isso deve ser feito em todas as nossas áreas da vida, infelizmente. Infelizmente porque assim nos coloca em uma constante postura de escaneamento de tudo o que nos chega, ainda mais se for de instituições de poder social tão grande como a indústria farmacêutica, os psiquiatras biológicos, os médicos como classe social, os bancos e a indústria no geral. Ou você realmente acredita que todas essas instituições estão voltadas em sua economia interna e externa para nosso bem individual e para a nossa felicidade na terra? Se for assim que pensa, ligue agora o “antivírus” cognitivo antes que mais “malwares” e outro vírus contaminem seus pensamentos e capacidades de re-ler o real.


Doença mental enquanto uma condição médico-biológica não existe. A não ser que a pessoa tenha efetivamente uma lesão cerebral que a impede, por causa desta lesão, de ter as condições básicas orgânicas de ter controle ou consciência de alguns de seus comportamentos, pensamentos ou emoções. Mas aí já não é mais doença “mental”, mas doença física, objetiva que tem como efeitos a alteração do comportamento da pessoa. Qualquer tipo de “desajuste” mental sem uma lesão objetiva diagnosticada, e quando digo objetiva, digo clinicamente provada, por exames ou técnicas médicas-científicas claras e objetivas, é uma metáfora de mau gosto. Com não há nenhuma prova objetivo-médica-científica para qualquer parte do DSM da psiquiatria, tudo o que se passa neste livro desumano e horroroso é “crença” ou “suposição”, jamais uma “verdade” científica ou médica.
Tudo o que aparece exteriormente para nós na economia da doença mental – hospitais psiquiátricos, drogas psiquiátricas, psiquiatras biológicos de jaleco branco etc. – são resultado da crença social-jurídico-política de um poder combinado para acreditarmos que Mickey Mouse e sua turma existem de fato.


Os comportamentos das pessoas existem, suas dores existem, seu sofrimento é real, sua desestruturação ou desorganização mental é fato, mas nenhuma das explicações ou causas dadas pela psiquiatria biológica são verdadeiras ou fatos objetivos. Portanto, suas soluções são todas duvidosas e merecem críticas e desvelamento. Toda ação da psiquiatria biológica deve ser escrutinada a partir da ética e não da perspectiva médica.

CRÍTICAS

Por Fernando Fontoura

“Há apenas uma maneira de não receber críticas: não faça nada, não diga nada, não seja nada”.

Esta é uma frase que ouvi há muito tempo e que está na internet com diferentes nomes de autores, então prefiro não colocar nenhum.


Mas o que interessa aqui para mim é que isso se torna mais verdadeiro hoje nos dias das mídias sociais e do enxame de pessoas com “coisas a dizer” na internet. A gama de informações aumentou vertiginosamente, mas a capacidade de se colocar aberto a críticas ou ao diálogo não acompanhou esse crescimento.


Na era da subjetivação da personalidade, do acesso e exposição pessoal de cada vírgula pensada, a gama de opiniões e “verdades” assola nosso entorno em qualquer lugar que nos conectamos. Hoje não é somente as grandes mídias de televisão, jornal ou rádio que dão opinião e contam “verdades” ou fatos, mas qualquer um da rua, que cruzamos no dia-a-dia.
As comunidades “tribais” cresceram vertiginosamente o que favoreceu aparecerem do ostracismo ou da margem a que se encontravam muitos desses grupos sociais. A capacidade de exigir legitimação social, política ou comunitária cresceu e a multiplicidade de modos de ser, pensar e sentir o mundo a si mesmo ampliou de forma pletórica.


Mas e o diálogo? Aumentou as formas de comunicação dialógica ou dialética? Bem, não. A capacidade de expressividade não está diretamente associada a um modo de ser dialógico ou dialético. Hoje, muitas e muitas pessoas opinam, falam “verdades”, mas não estão abertas a críticas ou ao diálogo. Estabelecem seu grupo de “seguidores” e o diálogo se estabelece ali, naquele horizonte, com um viés de confirmação e expectativas como guias do que entra ou não entra ali, e do que se mantém ou não.


Reclama-se cada vez mais hoje o direito à expressividade, à liberdade de expressão e menos se coloca essa expressividade enquanto uma dialética social ampla ou uma forma de exercer um diálogo com os diferentes, com os opostos ou contrários. Muitos querem falar, opinar, dizer, ser, mas não querem críticas, oposições ou ter que se explicar melhor. A frase que comecei este texto, atualmente, está desatualizada. Pois é possível hoje fazer, dizer e ser e ao mesmo tempo não dar espaço para críticas, opiniões diferentes e diálogo aberto.


Parece uma contradição social que justo nos dias atuais onde a multiplicidade e a diversidade são a tônica social que o diálogo menos se estabeleça e menos importância se dê a ele. O livro de Michel Maffesoli, O Tempo das Tribos merece uma leitura um pouco mais atenta hoje. Maior quantidade de tribos não quer dizer mais abertura ao diálogo e maior aceitação de críticas. O que me aprece uma pena, pois no meio de tanta opinião massificada de tudo hoje em dia, quem estabeleceria um diálogo aberto poderia se destacar no meio da massa de “verdades” nas mídias.

TERAPIA COMO AUTOAJUDA?

Por Fernando Fontoura

Autoajuda: normalmente os terapeutas querem fugir deste termo, pois ele traz uma noção depreciativa sobre o processo terapêutico. Por quê? Porque normalmente autoajuda quer dizer algo como uma receita de bolo que para todos é igual e que é algo quase mecânico que necessita apenas de “força de vontade” para colocar em prática. O resultado é um “novo” comportamento que atingiu o objetivo, qual uma receita faz com um bolo.


Neste sentido, nada mais enganosos do que comparar a um processo terapêutico onde há um início, meio e até um final, mas o processo depende de uma construção compartilhada entre terapeuta e aquele que faz a terapia. Muitas vezes o assunto que foi início da terapia não é o mesmo que se desenvolverá durante o processo terapêutico. E o final do processo só será descoberto “como” será no movimento terapêutico e, inclusive, o objetivo dado no início pela pessoa, pode mudar no final.


Portanto, nada como aquela noção de autoajuda acontece em um processo terapêutico, ainda mais na filosofia clínica. No entanto, tem um aspecto em que a terapia é uma autoajuda, pois ela desenvolve um autoconhecimento em cada um que entra em contato com ela. São “autos-conhecimentos”, pois são múltiplos dependendo de cada um e varia em grau para cada pessoa. Mas se pode dizer que, no final das contas, a pessoa acaba por sair da terapia conhecendo um pouco mais sobre sua estrutura interna de pensamentos, seus modos de ser etc. E, neste sentido, este autoconhecimento serve como uma autoajuda no presente e no futuro para poder dar novos caminhos ou atitudes à pessoa.


Então, podemos dizer que a terapia é uma autoajuda, mas com termos e processos completamente diferentes da noção depreciativa de autoajuda que é vendida por aí hoje em dia, inclusive em terapias “rápidas”. A autoajuda terapêutica que a filosofia clínica proporciona é de um tipo onde a pessoa poderá ter um conhecimento de si mesma de forma mais ampla – e não “profunda” – o que proporciona a ela ter mais “visão” sobre seu próprio mapa existencial, ou seja, sobre seus próprios caminhos e lugares “interiores” e como eles se relacionam com seus comportamentos externos.

CRITÉRIOS

Por Fernando Fontoura

Advertência: este texto acompanha o vídeo do canal com o mesmo nome, Critérios. Digo isso porque este texto ficou grande e talvez ruim de ler pela internet. Seu conteúdo está quase igual neste vídeo https://youtu.be/r7a8HbneZzY

Pensei em fazer dividir tudo em 2 ou mais textos, mas perderia o nexo lógico ou teria que alterar muito cada parte. Escolhi colocá-lo na íntegra como foi feito.

A filosofia clínica tem sua estrutura de pensamento, submodos e os exames categoriais que são critérios epistemológicos para conhecer a singularidade de cada pessoa. Esses critérios irão aparecer de acordo com cada pessoa, isso quer dizer que não serão impostos de fora pelo filósofo clínico.

Quando reconhecemos esses critérios nas pessoas, eles aparecem para nós fenologicamente compondo sua estrutura interna, seus modos de ser, suas categorias. Agora, esses critérios que aparecem são a pessoa como um todo? Não. Esses critérios, se estão bem realizados no reconhecimento do terapeuta, são os verdadeiros critérios que aparecem por esta ou outra pessoa neste momento de sua vida, sobre aquele assunto que ela trouxe. Então, os critérios, por muitos que sejam, não configuram a totalidade daquela pessoa.

Mas há outros critérios também em outros assuntos da vida. Por exemplo. Os critérios fundamentais da física. As constantes físicas são critérios estabelecidos como a verdade científica sobre as cosias pesquisadas. Mas não foram as pessoas, no caso os cientistas, que estabeleceram esses critérios e por isso fazem com que a física caiba dentro de sua linguagem e seus interesses de pesquisa? Não, não é assim que funciona a ciência. Esses critérios analisados experimentalmente e matematicamente foram convertidos em critérios fundamentais porque muitos cientistas em vários momentos históricos, vários lugares, mesmo os que estavam tentando refutar esses critérios, acabaram por afirmá-los. Muito tempo e muita pesquisa e muito experimento é necessário para que haja um consenso científico sobre algo.

Então, a física, em suas constantes fundamentais, como a velocidade da luz, está muito perto da verdade da realidade. Esses critérios são a base da explicação da realidade que estão pesquisando. Então, nas ciências naturais, a verdade sobre o mundo existe. Mas não é uma prerrogativa dos cientistas. Nunca uma verdade é posse de alguma pessoa ou grupo. Quem possui a verdade é a realidade. As pessoas reconhecem a verdade através de estudos, de práticas, experiências teóricas ou práticas, por variadas metodologias, em muitos lugares diferentes e em momentos históricos também diferentes. Até agora, as constantes fundamentais reconhecidas por Einstein ainda valem. Então, a verdade não é uma posse ou propriedade de alguma pessoa ou grupo, mas sim uma propriedade da realidade.

Mas em filosofia clínica não somos ciências naturais, então os critérios que usamos para compreender o outro em sua singularidade não abarca a totalidade da pessoa. Assim é, penso eu, são todos os critérios que tentam abarcar o fenômeno humano. Por exemplo, existem pessoas que se relacionam com outras pessoas, inclusive a categoria emoções, na amizade ou amor, por exemplo, através de critérios. Enquanto os critérios estão sendo preenchidos pela outra pessoa, a amizade ou o amor podem existir. Mas quando os critérios deixam de ser preenchidos a amizade ou o amor podem desparecer. Assim, no estalar dos dedos. A pergunta é: essa pessoa que lida com outras através de critérios, tem amizade ou amor pela outra pessoa ou a seus próprios critérios? Penso eu que como a filosofia clínica não abarca o fenômeno humano em sua totalidade e, por isso, também em sua “verdade” – pois dá para concordar com Hegel que a verdade está no todo -, qualquer relacionamento humano por critérios não abarca o outro. Nem em sua totalidade nem em sua “verdade”.

Ainda mais se os critérios são muito específicos. Na filosofia clínica os critérios são formais, amplos, sem conteúdo prévio, assim temos mais chances de compreender o máximo possível daquele que aparece, embora não tenhamos uma visada totalizante. Mas quando nos relacionamos com outras pessoas em relacionamentos afetivos de amizade ou amor, por exemplo, através de critérios, deixamos de poder conhecer realmente quem é a outra pessoa. Porque as outras pessoas são sempre mais do que os critérios subjetivos de alguma outra pessoa em perspectiva do outro.

Os critérios filosóficos, por exemplo, os ontológicos, também são critérios amplos para abarcar a máxima possibilidade de seres e explicar maximamente o real. Então, os critérios ontológicos e filosóficos tentam abarcar o máximo do real porque seus critérios são amplos e universais. Os critérios sobre a realidade podem ser assim. Mas os critérios para relacionamentos entre pessoas são sempre uma forma de velar o outro. Não se abarca a totalidade das pessoas por critérios que queiramos colocar para nos relacionar com elas.

Os critérios em filosofia clínica são formais, no sentido de serem vazios, sem conteúdo prévio. Qual conteúdo? Qualquer um: de valor, de norma, de certo ou errado. Por exemplo, há uma categoria em filosofia clínica, ou um critério ou, como chamamos, um tópico, que se chama pré-juízos ou verdades subjetivas que as pessoas carregam consigo para lidar com as coisas. São verdades subjetivas prévias de antecipação da experiência, por isso pré. Em filosofia clínica, para sabermos se os pré-juízos das pessoas são “bons” ou “maus”, “certos” ou “errados”, temos que compreender como essa pessoa maneja seus pré-juízos em sua vida e quais são os efeitos disso para a pessoa. Assim, aparecerá pela própria pessoa se os pré-juízos dela são bons ou maus para ela nas circunstâncias de sua própria vida. Aliás, podem ser bons em uma situação e não ser assim em outra situação. Mas para sabermos disso temos que escutar e compreender a pessoa em seus próprios critérios.

Mas se tivermos um conteúdo prévio sobre os pré-juízos, por exemplo, se tivéssemos um valor prévio sobre eles em filosofia clínica, se tivéssemos um conteúdo de valor, de certo ou errado anterior à pessoa, quando ela falasse sobre eles já teríamos uma avaliação deles sem necessitar compreender ou escutar mais a pessoa, porque agora compararíamos ela ou seus pré-juízos com um padrão de valor externo já preestabelecido a ela mesma.

Por isso, quando nos relacionamos com outras pessoas no nosso dia-a-dia através de nossos critérios, isso quer dizer que já temos valores, normas internas das quais avaliaremos as pessoas antecipadamente. No momento em que pessoa preenche esse critério, não precisamos mais saber das outras coisas. No momento em que a pessoa não mais preenche esses critérios estabelecidos previamente por nós, também não precisamos mais saber de outras coisas. Assim, decidimos nossas ações em relação ao outro em função desses critérios.

Precisamos de critérios de valores para viver. Necessitamos para decidir, para compreender as coisas das quais não temos muita experiência ou vivência, para antecipar e poupar tempo e muito mais. Inclusive para relacionamentos “técnicos”, sejam profissionais ou de alguma necessidade ou conveniência importante. Porém, para relacionamentos com pessoas das quais temos ou queremos uma amizade ou amor mais amplo, deveríamos passar além dos critérios iniciais se realmente queremos conhecer e manter nosso relacionamento. Para saber quem é verdadeiramente o outro, temos que compreendê-lo além de nossos critérios subjetivos. [o partilhante que dizia que cada pessoa tinha 30 segundos para que ele aceitasse seu tempo].

Aristóteles já dizia isso quando falava sobre a amizade ou philia. Há várias formas de interação entre as pessoas. Uma das philias é a conveniência. Então, existem critérios antecipatórios para que essa relação se estabeleça e também para que se rompa. Uma vez não mais preenchido os critérios de conveniência, essa relação perde o sentido de ser. Essa seria uma forma, digamos, “menor” de relacionamento entre pessoas. Outra forma de estabelecer a philia é a necessidade. Enquanto se tem a necessidade e o outro cumpre o preenchimento desta necessidade, a relação se mantém. Mas quando a necessidade está satisfeita, a relação se desfaz. Essas relações anteriores são, antecipadamente, já marcadas com data de validade. Duram o tempo em que os critérios estão sendo preenchidos.

Mas seguindo Aristóteles, como ter uma verdadeira philia, seja na amizade ou no amor, através de critérios? Pois ele acreditava na “verdadeira” philia e, para isso, estabelecida critérios. E seus critérios eram as virtudes. Mas além de Aristóteles, não seria o amor ou a amizade uma relação de apesar de e não de por causa de? Isto é, ter ou manter uma philia apesar de o outro não preencher meus critérios prévios? Obviamente que temos que ter critérios para estabelecer os limites do aceitável. Mas se os limites são muito estreitos, o espaço de “fora” dos limites é muito fácil de alcançar.

Mas qual é a postura da pessoa para poder ter e manter uma philia deste tipo com outra pessoa? Essa é outra questão, mas penso que de forma rápida e geral podemos tirar essa reposta de Hans-Georg Gadamer em sua dialética hermenêutica ou diálogo hermenêutico onde ele estabelece alguns passos e um deles é a fusão de horizontes. Neste diálogo hermenêutico, nesta fusão de horizontes, o critério fundamental de todo esse movimento dialógico é a abertura de um para o outro. Essa abertura é além da compreensão do outro a partir dos próprios critérios dele, é se deixar ser tocado pelo outro, deixar que o outro se mostre e nos influencie também a partir dele mesmo, ou seja, além ou apesar de nossos próprios critérios pessoais sobre ele. Somente assim, penso eu, que podemos falar de uma amizade ou amor ou philia nos termos de Aristóteles ou, pelo menos, além da conveniência ou necessidade.

E quais são as funções ou a função dos critérios? Criar expectativa. Estão ali para que esperemos que as coisas se comportem de acordo com esses critérios. Por exemplo, na ciência, o telescópio que está viajando no universo, James Webb, mandou imagens e informações do universo que contradizem as explicações que hoje temos sobre a formação de galáxias. Os critérios dos quais as explicações científicas estão fundamentadas sobre a formação de galáxias não se adequam com o que o telescópio James Webb está mostrando na realidade.

A expectativa, por causa dos critérios, era que o telescópio fornecesse uma confirmação das teorias que hoje temos sobre a formação das galáxias. Mas se há uma contradição entra esses critérios e as teorias dos quais eles fundamentam a realidade, que fazem os cientistas fazem? Dizem que a realidade deve se adequar aos seus critérios e teorias? Não, mas vão revisar seus critérios e teorias. O que se coloca à prova é sua explicação sobre o real e não o real que deve ser revisado.

Mas quando os critérios são estabelecidos nas relações humanas, as pessoas esperam que através deles os outros reajam em conformidade com eles. Pouquíssimas revisões de seus próprios critérios as pessoas fazem quando as outras pessoas não se comportam ou se adequam aos seus critérios valorativos ou de juízos de valor. Isso é uma constante nas terapias, pelo menos das que tenho atendido. Por isso que pessoas que amam outras através de e somente pelos critérios que estabeleceram, amam seus critérios. Pode ser que Zygmunt Bauman e Richard Sennett diriam que essa é uma das bases do relacionamento liquido ou descartável.

Na filosofia clínica os critérios e categorias devem se conformar ao que o outro narra, diz sobre si mesmo. Se os critérios da filosofia clínica não se adequam ao outro, é a filosofia clínica, no caso o terapeuta, que deve revisar seus critérios de percepção do outro. Neste caso, exatamente com a ciência o faz. Hélio Strassburger tem uma metáfora muito boa para isso. Diz que o terapeuta deve sempre ter o antivírus ligado em sua atuação terapêutica. Isso quer dizer que temos sempre que estar atentos à nossa forma de perceber como estamos percebendo o outro.

Neste sentido, a filosofia clínica tem em comum com a ciência que a realidade do outro tem sempre preferência como padrão de revisão do próprio método. Porém, sua diferença para os critérios tanto da ciência quanto do uso “pessoal” para relacionamentos, é que não há expectativa nenhuma da qual as pessoas ou o universo deveriam ou teriam que cumprir, preencher ou se comportar de acordo com algum ou outro critério. Por não ter expectativas, a filosofia clínica não julga, não valora antecipadamente nada, mas tenta compreender o outro a partir dele mesmo.

Neste sentido, é bom lembrar que a postura terapêutica da filosofia clínica é única e exclusiva para essa interação. Neste momento terapêutico é importante essa postura, mas isso não quer dizer que fora da interação terapêutica, fora do papel existencial de terapeuta, nós, terapeutas, não tenhamos critérios para viver no mundo da vida. Mas, se deixarmos a metodologia da filosofia clínica adentrar vagarosamente ao nosso ser, podemos carregar dela para nossa vivência nos outros relacionamentos uma tolerância ou compreensão um pouco mais ampla dos relacionamentos com os outros.

E OS FATOS?

Por Fernando Fontoura

Onde estão os fatos e qual a validade deles na filosofia clínica?


No livro Propedêutica de Lúcio Packter, o sistematizador da filosofia clínica, está que o princípio fundamental para ser terapeuta da filosofai clínica é compreender o dito tanto de Protágoras quanto de Arthur Schopenhauer. O primeiro diz, “O homem [ser humano] é a medida de todas as coisas, das coisas que são pelo que são e das coisas que não são pelo que não são”. E o segundo diz “O mundo é uma representação minha. Não conhecemos o mundo, mas como o representamos para cada um de nós”.


E então, e os fatos?


A filosofia clínica é uma terapêutica e não uma filosofia investigativa que procura nas categorias filosóficas dar conta do real enquanto real, seja o que queira se dizer com essa palavra. O que interessa terapeuticamente é a representação de si, do mundo ou dos outros que cada um traz em sua vida mental. O que é real no pensamento de cada um é real em seu mundo e, portanto, é real para ele. Não temos, como terapeutas, de corrigir essa representação do real que essa pessoa tem com uma adequação aos “fatos” como eles são. O que são fatos como eles são? A partir de que categorias podemos falar disso? Com certeza há mais de uma teoria sobre os fatos como são, tanto empiristas, como realistas, idealistas etc. Mas se formos por esse caminho já ferimos mortalmente outra premissa fundamental em filosofia clínica, a de que o partilhante é sempre a referência de tudo na terapia, inclusive e principalmente, sobre como ele representa seu mundo e tudo o que há nele.


Irmãos gêmeos que viveram no mesmo lugar e com as mesmas pessoas podem ter representações diferentes dos “fatos”. E para a filosofia clínica é isso o que interessa.


O fato de que vemos o mundo sob um prisma não leva ao fato de que os outros o vejam da mesma forma. E nem que os outros devam se comportar a partir da maneira que enxergamos o mundo. Quando vamos a cinema e vemos um filme e dizemos para um amigo “O filme que vi é ótimo, vale a pena ir ver”, e depois o amigo vai vê-lo e acha o filme ruim, só nos mostra que o filme em si, ou seja, o “fato”, não era ótimo ou ruim, mas que eu deveria ter dito “O filme que vi eu achei ótimo”. O fato de colocarmos nas coisas a avaliação do bom/mal não faz do “fato” algo assim.


Como a filosofia clínica não tem teoria sobre o certo ou errado, bom ou mal ou qualquer outro tipo de julgamento moral sobre o ser humano e suas representações de mundo, não precisamos fazer correções ou adequações de suas representações com algum modelo “pronto” já estabelecido por alguma teoria.


O impacto ou atrito terapêutico que se apresenta, muitas vezes, é entre a representação da pessoa de seu horizonte existencial e suas próprias representações mentais sobre a primeira representação. É dentro e nessas mesmas representações que devemos atuar terapeuticamente, e não fora dela. É por isso que estrutura de pensamento em filosofia clínica é tão importante em sua metodologia pois tudo passa pelo pensamento em filosofia clínica.
Bem, esse é outro assunto que falarei mais adiante.


Os “fatos” em filosofia clínica seguem as declarações do início deste texto no sentido de que só interessa as representações que as pessoas têm de sua realidade. “Fato” é aquilo que afeta o mundo mental e vivencial de cada um e é sobre isso que temos, como terapeutas, que estar atentos e compreender.

TERAPIAS COM DATA DE VALIDADE

por Fernando Fontoura

Um dos problemas das teorias do comportamento é que elas são datadas histórica e socialmente. Embora alguns gênios consigam ter uma visão do futuro, o que na grande maioria das vezes não se confirma do jeito que viram, a descrição comportamental do ser humano que fazem está datada pelas diretrizes sócio-histórico-políticas de sua época.


Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano, em seu livro A Sociedade do Cansaço, mostra que o sujeito freudiano estava estruturado em uma sociedade disciplinária do dever e das proibições, a sociedade foucaultiana. Porém, a sociedade de hoje, segundo o filósofo sul-coreano, não é mais assim e, portanto, o sujeito contemporâneo não se estrutura mais desta forma. A sociedade de hoje é a sociedade da liberdade do poder. Não mais divisas claras e proibições, mas a liquidez de todos os limites e a noção individual de poder sem limites.


Independente se a leitura de Byung-Chul Han está certa ou errada, é apropriada ou não para nossa época, o que nos mostra é que as teorias sobre o ser humano e seus comportamentos são filhas de uma época.


No momento em que uma terapia tem com fundamento alguma teoria do comportamento humano seja ética-política-social ou ontológica, está datada em seu contexto histórico-social. Dá conta das previsões do comportamento dentro de um escopo restrito, mas à medida que muda a sociedade e os comportamentos humanos em relação a essa sociedade, corre o risco de se desatualizar em parte ou no todo.


A filosofia clínica é uma terapia formal, que não traz em sua metodologia nenhuma teoria sobre o ser humano ou sobre seus comportamentos, portanto não perde sua atualidade. Está apta, assim, a receber toda e qualquer pessoa independente de tempo histórico. Nada tem a acrescentar a esse tempo histórico, pois quem traz suas influências sociais e históricas não é o método, mas a própria pessoa que faz a terapia com a filosofia clínica.


Neste sentido, a filosofia clínica é perene e não necessita de “atualizações” teóricas. Precisa, simplesmente, estar em atividade porque as próprias pessoas que entram em contato com ela “atualizam” a metodologia.

ESQUIZOFRENIA?

Por Fernando Fontoura

O que quero enfatizar agora, desde o início, é que a alegação de que algumas pessoas têm uma doença chamada esquizofrenia (enquanto outras supostamente não têm) foi baseada apenas na autoridade médica e não em qualquer descoberta médica; que foi, em outras palavras, resultado de uma decisão política e ética e não de um trabalho empírico ou científico. – Thomas Szasz; Mercedes Benet. Esquizofrenia: el símbolo sagrado de la psiquiatria. p. 13.

Os comportamentos humanos podem ser considerados normais ou anormais somente em referência a algum padrão. E isso não é novo. Os primeiros estabelecimentos de reclusão ou confinamento de pessoas “anormais” vêm antes do século XV e essa prática de avaliação de anormalidade muito antes desse tempo. No entanto, as explicações sobre esses comportamentos podem ser de várias áreas tais como sociais, antropológicas, éticas, políticas etc., mas não médica. A não ser que esta pessoa tenha uma lesão no cérebro onde diretamente esteja afetada suas condições cognitivas ou sensitivas. Sem esse último fato, a doença mental é uma falácia e uma tentativa de emprestar cientificidade a algo que não é científico nestes termos.


Pode-se fazer um estudo científico social, político, ético, antropológico, mas não no sentido de uma ciência médica. Científico no sentido do rigor da pesquisa. No entanto, é preciso primeiro separar as categorias do real, para depois ir à busca das causas. Mas se tratando do comportamento humano sem uma lesão cerebral seja por acidente ou por nascimento, a medicina não é uma categoria da explicação do comportamento normal ou anormal do ser humano.
As palavras de Thomas Szasz no início deste texto mostram o quanto a confusão entre comportamentos socialmente não aceitáveis e explicações causais médicas são a tônica na psiquiatria. Desde final do século XIX que se estabeleceu de forma mais robusta esse tipo de explicação para o que era chamado antes como tratamento moral de pessoas desviantes. Penso que esses termos são muito mais honestos e falam muito mais da real atividade psiquiátrica ainda hoje do que os de doença mental e pacientes. Os desviantes eram considerados imorais em uma sociedade – francesa e inglesa daquela época – normatizada e normalizada por valores morais rígidos.


Obviamente que comportamentos perturbadores da “ordem” social sempre existiram e sempre irão existir e também é óbvio que em alguns casos – desconsiderando os de crimes de fato – deveriam ser afastados do seu círculo social para ter um tratamento terapêutico e poder achar seus caminhos, seja voltar para onde estava ou procurar outros lugares para viver. Mas isso não torna essa pessoa uma doente mental nem se considera que ela tenha um defeito biológico.
Fora as questões evidentes de lesão corporal ou cerebral que afetam diretamente as condições do indivíduo para viver socialmente de certa maneira, os comportamentos “desviantes” sociais têm explicações sociais, políticas, éticas, existenciais e não médicas.


Medicalizar o comportamento, qualquer que seja, é uma estratégia de marketing utilizada para dar status social à nascente profissão psiquiátrica entre o meio e final do século XVIII e XIX, e uma estratégia de publicidade da indústria farmacêutica para ampliar seus ganhos econômicos criando doenças que não existem e oferecendo cura para o que não é doença.


A psiquiatria e a indústria farmacêutica fixaram uma pareceria quase inviolável nos dias de hoje e o poder do status social de uma mais o poder insidioso financeiro da outra, criaram um rede de conceitos e falsos conhecimentos que adentraram a mente daqueles que aceitam tanto o poder social do psiquiatra como se fosse médico quanto os “avanços” da ciência no campo dos medicamentos e da “cura”.

SOLUÇÃO DADA PARA QUEM PROCURA AQUELA SOLUÇÃO

Por Fernando Fontoura

Acredito que quem vai a um padre para se confessar, quer exatamente a solução que o padre vai dar, sejam orações ou conselhos. Quem vai a uma cartomante quer exatamente a solução que ela vai dar. Então, um adulto que vai a um psiquiatra por livre vontade – desconsidero aqui as crianças e jovens que vão de forma criminosa pressionadas pelas escolas, planos de saúde e outras formas de pressão social e/ou institucional – vai procurando exatamente a solução que o psiquiatra tem a oferecer, qual seja, psicoativos.


Até aí não vejo problemas. A questão é que mesmo você recebendo aquilo que foi buscar, a explicação das causas do que você tem, seja ansiedade, depressão ou dificuldade de atenção ou qualquer outra coisa, é mentirosa e enganosa. Poderia ir alguém buscar psicoativos em um psiquiatra dizendo que é isso que quer e o psiquiatra receitar sem dizer que isso afeta uma doença biológica em seu cérebro, mas simplesmente alertar o usuário dos efeitos que a droga pode causar em curto e longo prazo de uso. E assim evitaria as mentiras fantasiadas de ciência médica!


Aliás, porque essa é a verdadeira profissão do psiquiatra hoje em dia, receitar psicoativos. Então, ele deveria saber de todos os efeitos dessas drogas a curto, médio e longo prazo e alertar o usuário disso. Ponto final! Nada de histórias de Papai Noel ou de Coelhinho da Páscoa sobre desequilíbrios químicos no cérebro e blábláblá…


Para as drogas de ansiedade, só para listar alguns efeitos, poderia dizer o psiquiatra: insônia, aturdimento mental, movimentos involuntários, ansiedade (?, isso mesmo!), fadiga corporal e mental, náusea, vômitos, diarreia, irritabilidade, tontura, fraqueza, instabilidade mental, sonolência, perda da coordenação muscular, dores de cabeça etc. etc. etc. Ah, isso são os efeitos a curto prazo. Os de longo prazo podem ser, depressão severa, pensamentos suicidas, confusão de sentimentos ou embotamento emocional, hostilidade e raiva, impulsos agressivos e alucinações.


Sobre os para depressão, além de alguns dos efeitos acima relatados, problemas de ejaculação, perda de apetite, tremores, boca seca, diminuição do desejo sexual, indigestão, suores, taquicardia etc. Os de longo prazo, pensamentos suicidas, alterações da visão, alucinações, hostilidade, confusão mental etc. etc. etc.


Para os psicoestimulantes além dos outros acima mencionados, agressão, angina, anorexia, visão borrada, alucinações, palpitações no coração, hipersensibilidade mental e dos cinco sentidos, aumento da irritabilidade, tiques involuntários, problemas no fígado, desordem mental, comportamentos violentos, perda de peso, comportamento “zumbi” etc. Os de longo prazo, todos os de cima juntos.


Para os estabilizantes de humor, além dos muitos acima relatados, espasmos musculares, perda do controle da bexiga, inquietação mental e corporal, estupor mental, movimentos incontroláveis da língua, arritmia cardíaca, convulsões, problemas de tireoide etc. Para os de longo prazo, vertigem severa, zumbido nos ouvidos, excesso de peso, perda da coordenação motora, epilepsia, coma etc. etc. etc.


Para os antipsicóticos, além de muitos dos de cima citados, espasmos musculares, rigidez muscular, diabetes, esgotamento das células brancas do sangue, perda da consciência, diminuição do fluxo de sangue no cérebro, constipação, hiperglicemia, inflamação no pâncreas etc. Os de longo prazo, coma, inflamação no coração, elevação de gorduras no fluxo sanguíneo, impotência sexual etc. etc. etc.


E não me venham dizer que qualquer aspirina tem efeitos colaterais, porque os efeitos acima mencionados não são efeitos colaterais (vejam o vídeo do canal sobre isso https://youtu.be/jp4Zovtd3cs), mas efeitos próprios de drogas desse tipo, que são do tipo como anfetaminas, cocaína, morfina e tantas outras da mesma taxionomia. Aspirina e remédios médicos têm efeitos colaterais porque, antes de tudo, eles atingem uma dor ou problema específico no organismo e, além disso, podem causar efeitos indesejáveis em outros órgãos, mas, fundamentalmente, atingem um “alvo” que existe e que é visível ou alcançável por instrumentos e tecnologias. O que as drogas psiquiátricas fazem não é atingir a nada de específico no corpo, porque não tem nada para atingir porque não existe doença física nestes casos psiquiátricos, mas elas alteram o comportamento mental e emocional de quem toma essas drogas, exatamente com as drogas chamadas “recreativas” como a maconha, o álcool ou as mais pesadas com cocaína, heroína e outras deste tipo.


Os efeitos mencionados acima são exatamente iguais ao de qualquer droga “recreativa” e portanto não podem ser comparados aos efeitos colaterais dos medicamentos médicos.
Os psiquiatras tendo todas essas informações, poderiam dar aos seus pacientes sem mentir para elas de que essas drogas atingem algo específico dentro do cérebro deles o qual é a causa de sua “doença” ou “transtorno” mental.


Enfim, a psiquiatria poderia ser socialmente mais benéfica se fosse um portal de distribuição de drogas psicoativas e mostrando para quem fosse buscar suas soluções as verdades sobre cada grupo de drogas e os perigos e efeitos que ela pode causar nos usuários. Seria mais benéfico para a sociedade, pois pararia com as enganações pesudomédicas e seria mais prestigioso para sua própria classe profissional. Mas para isso, teriam que abandonar o jaleco branco e a máscara de que são médicos ou que sua profissão é científica.

A TERAPIA SIMPLES

Por Fernando Fontoura

Depressão, ansiedade, dificuldade de concentração, relacionamentos dificultosos, problemas internos de autoconhecimento, problemas de relacionamento em qualquer nível – trabalho, afetivos, escolares etc. – síndromes e transtornos de comportamento ou de pensamento, qualquer coisa que se ouve ou se vê por aí que leve uma pessoa a procurar um terapeuta, seja psicólogo, psicanalista ou das terapias complementares, a filosofia clínica atua de forma mais ampla e simples. Como assim?


Mais ampla porque compreende o funcionamento que está por trás do comportamento da pessoa. A estrutura subjacente que apoia os comportamentos indesejáveis, sejam mentais ou no mundo, a filosofia clínica compreende de forma ampla e por isso tem uma visão panorâmica e abrangente dos modos de ser e de pensar da pessoa.


Mais simples porque a metodologia não contempla teorias de personalidade, de comportamentos, de natureza humana ou de normalidade, mas simplesmente compreende o outro a partir de suas próprias características e jogos de significados e linguagens que ele mesmo traz. Esses fenômenos que aparecem a partir do outro são traduzidos para ele de forma mais clara, ampla e “funcional” ao invés de falar de teorias ou “teses” comportamentais ou diagnósticos “científicos”.


O que a filosofia clínica alcança em compreensão dos modos de ser e de pensar do outro ainda nenhuma outra terapia alcançou, ou alcançam em separado, uma aceitando a linguagem própria do outro e outra tentando compreender o funcionamento dos modos de ser e pensar, mas separadas uma da outra.


A noção de conjunto que a filosofia clínica proporciona ao compreender a estrutura interna do outro dentro de sua apropria história de vida e suas representações de mundo proporciona a quem entra em contato com ela uma maior assertividade nas suas questões. Isso não quer dizer sempre que seja uma terapia rápida, pois o tempo terapêutico varia de acordo com cada um e de acordo com as questões que surgem, mas, independente do tempo terapêutico, a forma de autoconhecimento ou de atuação frente às questões que aprecem são mais amplas e assertivas.


O que cada um procura na terapia, o seu bem-viver seja ele o que for, tem prioridade em filosofia clínica pois aquele que faz sua terapia é sempre, do começo ao fim, a referência principal no processo terapêutico.