Um olhar para a singularidade

Por Dioneia Gaiardo

Pensar a singularidade é um exercício de ver que “A vida insinua-se de um jeito único na subjetividade de cada pessoa, lugar privilegiado para decifrar os enigmas da natureza (…)”, os enigmas de sua própria natureza, da natureza das coisas e do mundo. Aí, no fenômeno da singularidade, há espaço para o “exótico aparecimento” e quem sabe por esses caminhos possamos acessar alguma identidade, alguma integridade sobre quem somos, um pouco mais leves das bagagens impostas.


Há quem busque comparações e generalizações ao longo da vida, há quem se adapte bem a esse modo de ser e ver as coisas, de ler o mundo através de termos gerais. Há quem se sinta completa ou parcialmente preso por essas tipologias, classificações e diagnósticos e, no entanto, careça de um outro tipo de olhar, o singular, ainda ofuscado, escondido em algum recanto seu ou do mundo, e sabe que algo em si fica sem espaço para transbordar diante de uma sociedade viciada em padrões, muitas vezes camuflados em discursos sobre valorizar a diversidade ou afirmações como “devemos ser diferentes”. Não devemos ser diferentes, já o somos e sempre seremos. Por mais que possamos compartilhar, ainda assim, as circunstâncias e significações são únicas.

Se não nos damos conta disso, o risco é nos tornarmos reféns da produção do igual imposta pelos padrões de normatividade que gera também a necessidade de sermos diferentes. E “essa vida” que nos joga de um lado a outro, que nos suprime em padrões convencionados/impostos é a mesma que nos obriga a sermos diferentes para que possamos, enfim, sermos reconhecidos. Antes ser um desconhecido na multidão, mas que conhece, ao menos um pouco, a si mesmo. Antes perceber que a produção do igual e do diferente está a serviço de mercados extremamente lucrativos – o mercado humano, da mente humana, do corpo humano…


Nesse sentido, a Filosofia Clínica evidencia que “As coisas podem adquirir propriedades diversas no vislumbre das singularidades”. Assim, a carência, o que nos falta, parece-me que é justamente o exercício da singularidade. O olhar extraordinário, surpreso, suspenso, desacomodado, incerto, investigativo, descontente, absurdo, instigante, mágico, ingênuo, a admiração, como diria Gerd Bornheim: “Na admiração, verifica-se um simpatizar, no sentido etimológico da palavra, um sentir unido ao real como uma presença (…) longe de impor-lhe o que quer que seja, o deixa ser em toda a sua dimensão, como plenitude de presença.”

* Texto originalmente publicado na Revista da Casa da Filosofia Clínica. Para edição completa da revista, acessar Revista da Casa da Filosofia Clínica – Editora Pragmatha

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Publicado por epochefilosofiaclnica

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