Por Miguel Angelo Caruzo (texto originalmente escrito para a Revista da Casa da Filosofia Clínica, edição 00 em https://casadafilosofiaclinica.blogspot.com/search/label/Revista%20Casa%20da%20Filosofia%20Cl%C3%ADnica )
Em sua recente obra, Hélio Strassburger (2021, p. 26) relata que “a possibilidade
de emancipação de pessoas, para além da camisa de força da classificação
tipológica” chamou sua atenção na proposta da filosofia clínica uma vez
que “ela oferece uma abordagem de acordo com o fenômeno da singularidade”.
Como se daria essa possibilidade?
Trata-se, entre outros aspectos, de uma inspiração de Protágoras, segundo o
qual o “homem é a medida de todas as coisas” (PROTÁGORAS in: MARÍAS, 2004,
p. 41), atualizada em Schopenhauer para quem “o mundo é minha representação”
(SCHOPENHAUER, 2001, §1). Isto é, há um modo peculiar, irrepetível, de
realização de nossa experiência do mundo e de nós mesmos. Há uma série de
nuances dessas vivências com suas consequências no modo como se interpreta
aquela que seria sua realidade. “Em suma, cada pessoa tem sua própria representação
de mundo” (CARUZO, 2021, p. 32).
Ao se considerar a singularidade das experiências, é inevitável tomar como
consequência o universo de características incomparáveis de cada indivíduo.
Por conseguinte, não é possível comparar ou criar critérios universais sobre os
princípios que regem as ações, os pensamentos, os valores etc. de uma pessoa.
Há, portanto, a singularidade: “É esse o critério que ela [isto é, cada pessoa,] usa
para vivenciar as coisas que estão relacionadas a essa ideia” (PACKTER, 1997,
p. 16).
Tais concepções poderiam suscitar acusações de solipsismo se não fossem
considerados os elementos contextuais e históricos. Assim, “o idioma da pessoa,
seus hábitos, sua época, a política e os dados sociais da localidade onde
viveu, a geografia, o contexto religioso, histórico, entre outros aspectos, podem
ter importância” (PACKTER, 1997, p. 26) para localizar existencialmente a pessoa
e o peso subjetivo que esses aspectos trazem para sua vida.
Quando os critérios tipológicos cedem espaço para a abertura à singularidade,
suas circunstâncias e modos de interagir com seu mundo, a emancipação
encontra espaço. O ganho ocorre quando para cada desafio vivido, os caminhos
são propostos segundo cada caso. Os princípios universais cedem espaço para
modos de agir interna ou externamente usados ao longo da própria história da
pessoa (STRASSBURGER, 2021, p. 97) ou, quando novos modos são acrescentados,
deve-se cuidar para que encontre correspondência na estrutura de quem
recebe (CARUZO, 2021, p. 127). Assim, quem somos, de onde viemos, para onde
vamos, como vivenciamos o que nos ocorre e como agimos diante disso são
aspectos reveladores de nossa singularidade.