Por Fernando Fontoura
O livro Filosofia Clínica: anotações e reflexões de um consultório, de Hélio Strassburger, traz a perspectiva da prática da filosofia clínica. Ao mesmo tempo em que expõe a própria metodologia, mas uma metodologia originária, daquela filosofia clínica sistematizada nos meados de 1990, ele nos mostra através de sua experiência de quase trinta anos enquanto terapeuta, toda a beleza que essa terapia proporciona tanto para quem com entra em contato com ela quanto para o próprio terapeuta. Hélio sustenta e afirma no livro os pressupostos fundamentais dessa filosofia clínica, sua viga mestra, a singularidade, os meandros da linguagem literária ou quase poética, aquela dos interstícios, dos quase-conceitos, que aparecem nas dobras existenciais e nas mais variadas formas de expressividade que existem em cada indivíduo singular.
Ao mesmo tempo em que Hélio não escreve para um completo iniciante em filosofia clínica, aquele que tem uma noção da metodologia perceberá neste livro toda a amplitude, força, paixão e confiança que o autor tem no método terapêutico da filosofia clínica, principalmente quando a interseção ou interseções apresentam problemas graves, resistências quase intransponíveis que tanto o partilhante – aquele que faz terapia com um filósofo clínico – quanto o terapeuta enfrentam no decorrer do processo terapêutico ou da vida mesma.
Nada a acrescentar à metodologia da filosofia clínica, nos ensina Hélio, pois tudo o que precisamos essa metodologia nos fornece para toda e qualquer situação que aparecer. Temos de ter um intelecto ativo para compreender os meandros que a própria metodologia nos apresenta. Muitas vezes o mergulho na metodologia e na atuação terapêutica enquanto filósofo clínico é sem qualquer ajuda ou certeza prévia. Simplesmente um mergulho, como um paraquedista em queda-livre ou um mergulhador afundando no desconhecido das profundezas do mar. A boia vem após o mergulho, a ajuda vem após a confiança e o estudo sistemático da metodologia. Mas, nos mostra Hélio, para aquele que faz sua parte nos estudos e práticas da filosofia clínica, até hoje a boia veio mesmo nas piores situações e o paraquedas nunca deixou de abrir.
A construção compartilhada entre o filósofo clínico e o partilhante é a esteira, nos mostra o autor, por onde a confiança, o estudo atento ao mundo do outro e as possíveis boias salva-vidas aparecerão. Não é necessário outro apoio à metodologia da filosofia clínica, pois ela guarda em si todas as possibilidades de diálogo e maneiras de efetivar a construção compartilhada que dará as saídas ao processo terapêutico. Não é exatamente uma confiança de fé cega, mas a confiança ou fé que segue à segurança de uma atividade de atenção constante à nova linguagem que nos aparece do partilhante, do estudo constante da metodologia que está sempre no pano de fundo da epistemologia do terapeuta para dar subsídios ao singular que se revela. É uma fé por efeito de uma atividade constante do terapeuta com a metodologia.
Dentre os capítulos e subcapítulos que seguem o livro encontraremos como linha-guia que apoia a prática da filosofia clínica de Hélio Strassburger, uma apologia ao singular. Aparecem no livro vários adjetivos e maneiras de se referir ao indivíduo singular, tais como inédito, original, irrepetível. Também percorre todo o livro a atividade terapêutica enquanto uma aprendizagem constante, sendo o filósofo clínico não um “doutor do saber”, mas como aquele que, na construção compartilhada, aprende junto (às vezes até mais!) com o outro. Não há saber cristalizado no filósofo clínico que sirva de apoio para outra terapia com outra pessoa. Essa incompletude do ser terapeuta é o que mantém ele na virtude da humildade e da atividade fundamental do filosofar, a admiração, nos adverte o autor.
Enquanto terapia, a filosofia clínica, nos diz Hélio, é uma forma de libertação das algemas da linguagem universal, do comum, da aceitação do “normal” e do “correto”. Ao dar completa atenção ao singular e às suas idiossincrasias a metodologia permite ao outro se apresentar de qualquer forma e sob qualquer expressividade, e convida o terapeuta a ser de várias formas frente à multiplicidade de singulares que aparecerão para uma construção compartilhada.
A Introdução e os capítulos finais – Bilhetes Premiados, Filosofia Clínica no Café Filosófico – e a entrevista de Hélio cedida a Diego Baroni Menegassi mostram os horizontes existenciais do pensamento e da prática do terapeuta. Na entrevista o autor mostra de forma abrangente sua caminhada nestes quase trinta anos de estudos e prática constante enquanto terapeuta da filosofia clínica.
No Café Filosófico mostra o privilégio de poder ter atuado nestes encontros e divulgar ainda mais sobre a fundamentação da filosofia clínica e seus autores. Aproveita para dar um resumo sobre a metodologia da terapêutica. Em Bilhetes Premiados, sem uma introdução mais específica, nos mostra fragmentos de um caso terapêutico na perspectiva do partilhante e de suas andanças nos caminhos e descaminhos da estrutura de pensamento. É quase um minicurso sobre a terapêutica e o método, para quem já tem alguma prática ou conhecimento sobre a filosofia clínica.
Não há efetivamente uma “conclusão” na obra de Hélio, o que seria exatamente um contrassenso em se tratando do ser terapeuta que ele é. Como bom filósofo investigador das coisas da vida e como terapeuta investigador da singularidade humana, sabe ele, e já deixou isso evidente durante o livro, que os interstícios, os quase, os desvios são tão ou mais importantes ou valorosos do que o estabelecido, o fechado ou a conclusão. Para quem faz algum tipo de curso ou leitura de filosofia clínica, o livro de Hélio Strassburger é um apoio fundamental para quem quer um dia ser terapeuta dessa nova metodologia libertária da singularidade.
(Texto originalmente publicado na Revista da Casa da Filosofia Clínica em https://drive.google.com/file/d/1hVsY7h8AbnZmMXUHFSEmPJ7NoY9u4BOU/view )