Os sonhos na clínica

Por Miguel Angelo Caruzo

Os sonhos foram alvo de interpretações há milênios. Interesse mantido nas investigações contemporâneas a fim de auxiliar as pessoas nas terapias. Para a filosofia clínica, os sonhos não necessariamente se destacam. Entre outras manifestações possíveis da alma humana, eles podem ou não ter relevância.

Entre diversos modos do filósofo clínico lidar com os sonhos, aponto duas vias complementares. Primeiramente, ver como o próprio partilhante entende, interpreta ou lida com eles; qual a relevância, a necessidade ou o sentido de tais sonhos na vida de quem os experiencia. Em seguida, investigar por meio das bases metodológicas da clínica filosófica e realizar, no relato dos sonhos, o caminho de compreensão semelhante ao realizado na escuta da historicidade.

O filósofo clínico pede ao partilhante para relatar seus sonhos. Se há diálogos, interações, com outras pessoas, o terapeuta pode identificar elementos da categoria relação, interseções de estruturas de pensamento, recíproca de inversão etc. Se detalha o ambiente, a presença de deslocamento curto, sensorial, em direção às sensações, percepcionar, entre outros, podem aparecer. Caso haja elementos sem correspondência com objetos encontrados no cotidiano, o terapeuta pode identificar indícios de abstrato, de em direção às ideias complexas, ou até, em casos de interpretação desses elementos, de significado. Se o partilhante fala de si, do que sentiu, pensou, de como ficou, elementos como lugar, emoções e inversão podem ser elencados.

O filósofo clínico não interpreta. O partilhante é a fonte das informações, dos sentidos, dos direcionamentos, da identificação dos assuntos últimos etc. Se há algum sentido no sonho, alguma interpretação, quem o mostra é o partilhante. Tal como o relato da historicidade revela o partilhante, assim os sonhos também podem ajudar a compreendê-lo.

Os exames categoriais podem identificar o mundo “sonhado” do partilhante. A identificação da estrutura de pensamento pode apresentar os tópicos da pessoa tanto acordada quanto dormindo – em seus sonhos. O mesmo pode ocorrer em relação aos submodos. É possível encontrar tópicos aparecendo somente nos sonhos, outros apenas nos relatos da pessoa despertada, e vice e versa.

O filósofo clínico ouve o relato dos sonhos e busca compreendê-los; sem recorrer a recursos interpretativos a priori. As bases do método – exames categoriais, estrutura de pensamento e submodos – permanecem. Caso o partilhante interprete seus sonhos a partir de teóricos de outras abordagens terapêuticas ou quaisquer outras fontes, se isso fizer sentido para a ele, assim será trabalhado na clínica. Afinal, o partilhante é o critério de sua compreensão pelo filósofo clínico.

(Este texto foi originalmente publicado na Revista da Casa da Filosofia Clínica em https://casadafilosofiaclinica.blogspot.com/2022/09/revista-casa-da-filosofia-clinica-ed02-primavera-2022.html )

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Publicado por epochefilosofiaclnica

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