Por Fernando Fontoura
Em A Linguagem da Loucura, o antipsiquiatria e antipsicanalista David Cooper escreve o objetivo pelo qual escreve o livro,
“Pela redescoberta do orgasmo e da loucura (incluindo a “loucura” dos artistas) enquanto necessidades radicais para a transformação das pessoas.”
Portanto, a loucura da qual ele escreve é
“[…] a loucura que está mais ou menos presente em todos nós, e não aquela que pela diagnose recebeu o batismo psiquiátrico de “esquizofrenia” ou qualquer outro rótulo inventado pelos agentes psico-policiais especializados da fase final da sociedade capitalista.”
Para este autor,
“A loucura é um movimento para fora do familiarismo em direção à autonomia. É este o verdadeiro “perigo” da loucura e a razão da violenta repressão a que está sujeita.”
Outro autor, Erasmo de Roteradm escreveu o Elogio da Loucura. No papel existencial da própria loucura ele escreve o texto em primeira pessoa, a própria Loucura falando sobre si mesma.
“Embora os homens [seres humanos] costumem ferir a minha reputação e eu saiba muto bem quanto o meu nome soa mal aos ouvidos dos mais tolos, orgulho-me de vos dizer que esta Loucura, sim esta Loucura que estais vendo é a única capaz de alegrar os deuses e os mortais.”
Continua a própria Loucura,
“Nascida no meio de tantas delícias não saudei a luz com o pranto, como quase todos os homens [seres humanos]: mal fui parida, comecei a rir gostosamente na cara de minha mãe”.
Duas coisas chamam a atenção neste texto: 1. O título que dei a esse escrito e 2. O que falam da loucura estes dois autores.
A primeira, o título, já é uma ofensa à própria palavra loucura, pois tenho que qualificá-la como “boa” para doer tirar dela todo o mofo das qualificações não-boas que ela recebeu. Os gregos chamavam de mania ou moria, mas com isso queriam dizer desrrazão. A norma era a razão, a balança era o logos e a comparação era com os que não tinham a potencialidade da razão, os animais irracionais. Tudo de bom era racional e todo racional era bom (seguindo alguns critérios, dependendo de cada escola filosófica). Agir com a razão era seguir a natureza da qual nos foi dada enquanto seres que somos. Agir diferente disso era uma ofensas à própria natureza e a si mesmo enquanto ser de natureza racional. Mas era pedagógico o erro, poderia aprender e aperfeiçoar o uso da razão e tornar-se um não mania, um não-louco, um ser, então, sociável, capaz de aproveitar as boas racionalidade da vida e seus efeitos, como as boas paixões.
Mas de alguma forma, o “louco” estava fora, à margem e precisava ser “corrigido”. Então quando coloco “boa” como adjetivo da loucura estou querendo dizer que os gregos não estavam completamente certos, ou, pelo menos, enviesados pela seus pré-juízos de normalidade e correção enquanto aquilo que é “natural”. E loucura não é natural, portanto não pode ser bom (embora nem tudo o que seja natural é bom!).
Por isso preciso ainda hoje colocar o “boa” para qualificar a loucura como algo bom, pois ela carrega a marca do mal, do errado, do antinatural.
E no 2. O que falam da loucura estes dois autores, é, além da qualificação que dou no título, estabelecer que na verdade a loucura é “natural” e sempre foi boa. Que ela provoca rompimentos necessários, que leva a limites de alegrias e prazeres que jamais as “boas paixões” racionais levarão. Que o caminho da loucura, embora de rompimento com o natural, que é chorar quando se nasce, não é um descaminho, mas uma alternativa “normal” e mais “natural” do que aquilo estabelecido pelas “leis” naturais da razão e da convenção.
Não o rompimento comedido, que passa pela observação atenta de todos os pontos, de formar hipóteses racionais e equilibradas para cada ponto observado e que experimenta com calma e cuidado cada hipótese antes de tentar efetivar alguma.
Obviamente que só a filosofia clínica pode aceitar pessoas que rompem assim com os padrões, com as normas, com as “leis” naturais ou sociais e não considerá-las “loucas” más”, que necessitam estar fora de circulação e de uma “correção” moral, seja por uma instituição ou por algum psicotrópico aditivo que envenena e intoxica o cérebro, a mente e os pensamentos.
Este é um assunto fascinante que Hélio Strassburger, filósofo clínico e professor de cursos de formação em filosofia clínica pela Casa da Filosofia Clínica, já colocou em livros como Pérolas Imperfeitas: apontamentos sobre a lógica do improvável.
Muito mais poderia falar sobre isso aqui, mas vou fazer um vídeo para o canal onde posso ter mais espaço para um desenvolvimento mais amplo sobre o assunto.
Até lá, quem sabe, reconheça, descubra e entre em contato com sua loucura, aquela que nas escolas levam as crianças a serem diagnosticadas como TDAH. A anti-regra é o primeiro degrau da autonomia, da loucura de ser você mesmo contra todo o sistema de normatização e uniformização. Ah, as escolas, instituições caras à normatividade e uniformização de pensamentos e comportamentos. Quanto ainda precisam avançar para deixarem de serem carcereiros de jovens “desiquilibrados”!