Por Fernando Fontoura
Como terapeuta já ouvi algumas vezes frases como essa, “Não mudou nada, mas mudou tudo”! Ou “Tudo está exatamente igual, mas ao mesmo tempo, está tudo diferente”! Também já ouvi o contrário, “Mudei tudo, mas tá tudo igual”!
Como posso compreender isso à luz da Filosofia Clínica?
Em primeiro lugar, vamos admitir de pronto que não há contradição nestas frases. Nos afastemos de Aristóteles e sua definição de contradição, pois não estamos neste nível de compreensão. Em filosofia clínica trabalhamos com a perspectiva de níveis. Essas frases acima mostram que há diferentes níveis na estrutura interna das pessoas. Como assim?
Bem, em segundo lugar, lembremos que a filosofia clínica tem três eixos principais, que são os exames categoriais, a estrutura de pensamento e os submodos. Esses três eixos se interrelacionam formando uma rede ou um sistema onde há várias faces ou perspectivas. Cada uma dessas faces ou perspectivas podemos considerar como um nível ao mesmo tempo diferenciado dos outros mas interrelacionados com eles. É um modelo de sistema complexo, como um tabuleiro de xadrez, onde cada peça tem suas regras de movimentação mas ao mesmo tempo estão todas interligadas com as possibilidades de movimentação tanta das minhas próprias peças quanto das do meu adversário. O xadrez é um exemplo de sistema complexo.
Muito bem! Então como podemos compreender as frases acima citadas? Partimos de um pré-juízo fundamental em filosofia clínica: a estrutura de pensamento é o eixo de toda experiência possível (frase de Mário Luís Pardal em seu livro Filosofia como Terapia). Ou seja, tudo passa ou começa ou termina na estrutura de pensamento. É neste horizonte que as alterações terapêuticas acontecem. É quando muda ou altera ou movimenta a estrutura interna de cada um que realmente há as alterações terapêuticas que poderão ser efetivadas em diferentes modos de ser.
Eu fiz um vídeo sobre este tema onde dou mais exemplos, e ele estará no ar no canal do YouTube da Epoché (https://www.youtube.com/channel/UCgfjeX35uqEr4gZZ6MdIqww ). Mas aqui, de forma mais resumida, posso salientar que uma pessoa pode estar efetivando seus modos de ser exatamente iguais como estavam sendo efetivados, pode estar trabalhando, cuidando dos filhos, saindo com amigos e mantendo toda a rotina ou práticas existenciais no mundo da vida como antes. Mas se algo alertou em sua estrutura de pensamento, mesmo que nada tenha mudado em suas práticas de vida ou modos de ser, “tudo” muda. Essa é a compreensão de frases como “Nada mudou, mas tudo está diferente” ou “nada mudou, mas tudo mudou”. Onde “nada” mudou? No nível dos modos de ser no mundo, nas práticas diárias ou rotineiras. Mas, por alguma razão, como por exemplo, um amor repentino, um insight interno, a estrutura interna fez uma revolução, uma alteração significativa e, a partir disso, “tudo” mudou. A vida se torna mais leve, mas clara, mas “colorida”, mas significativa etc. Mesmo que “nada” tenha mudado na rotina dos modos de ser, “tudo” mudou.
O contrário também acontece. Às vezes, por força da pressão da vida, das coisas “externas”, alguém tem que efetivar mudanças em seu modo de ser, em suas práticas do dia-a-dia e, quem vê essa pessoa de fora, pensa que ela “mudou” muito, que se “adaptou” às mudanças impostas pela vida. Porém, essa pessoa, internamente em sua estrutura, não realizou as alterações que acomodem essas mudanças práticas ou nos seus modos de ser. E ainda sofre, se angustia com “as mesmas coisas”, embora ela tenha mudado na prática. Mas se não mudou na estrutura interna, “nada” mudou. Algumas vezes só pessoas próximas dela é que saberão que ainda está sofrendo e que não alterou ainda suas emoções, perspectivas de mundo, o que acha de si mesma etc. Às vezes, somente seu terapeuta poderá saber disso. Pois ele tem a perspectiva de sua estrutura interna.
É por isso que em filosofia clínica a estrutura de pensamento é o eixo fundamental da terapêutica, pois é lá que, no final, acontecerá – ou não – as mudanças significativas que efetivarão novos modos de ser tanto externos quanto internos.