Por Fernando Fontoura
A personalidade como um conjunto de características ou modos de ser de uma pessoa tem como foco o conteúdo próprio dessas características e desses modos de ser. Esses conteúdos têm como origem o diálogo ou relacionamento que a pessoa teve e tem com o seu entrono mais imediato e as influências desse horizonte mais próximo foram as condições de possibilidade para ele formar sua personalidade. Pessoas, lugares, livros, instituições, ideias e muitas outras coisas contam como seu entrono imediato. Neste sentido, a pessoa é o que pode ser dentro deste horizonte imediato. Por mais amplo que seja esse entorno, a personalidade se forma a partir dele e não além dele.
Na filosofia clínica pensamos mais ou menos assim também. É dado que os tópicos da estrutura de pensamento mais os submodos (modos de ser) mais as categorias dos exames categoriais formam o que chamamos de padrão autogênico ¬- que é justamente essa noção de conjunto que o terapeuta tem da totalidade do que aparece de predominante no processo terapêutico do partilhante – são esses e não outros em função do contato, do diálogo, da comunicação com o horizonte existencial imediato de cada um.
No entanto, a diferença é que a singularidade em filosofia clínica, que é o padrão autogênico mais as circunstâncias históricas de cada pessoa, não é o mesmo que personalidade. A personalidade é a expressão do padrão autogênico. A filosofia não pára na personalidade, mas vai além, vai na especificidade dos elementos formais dessa personalidade, que são os tópicos da estrutura de pensamento e os submodos. A psicologia trabalha com perfis. A psicanálise com caráter ou personalidade, a psiquiatria não trabalha com nada porque não é terapia mais. Perfis, personalidade, caráter são formas de trabalhar diretamente o conteúdo do que aparece, no entanto esse conteúdo não está no vazio, mas, para a filosofia clínica, é uma expressão das formas de pensamento e de modos de ser. É neste nível de precisão e detalhe que vai a filosofia clínica. Comportamentos, perfis, personalidade podem ser comparadas umas às outras, pois são modelos de tipologias. Mas se formos um nível além, como vai a filosofia clínica, encontraremos aquele padrão autogênico próprio de cada um, ou seja, sua singularidade.
Portanto, a personalidade ou caráter não são equivalentes à singularidade em filosofia clínica. Não trabalhamos com personalidades, com caráter, com perfis. Trabalhamos no nível da singularidade, à qual nenhuma tipologia é possível ou necessária. A metodologia da filosofia clínica exige do terapeuta uma postura amplamente fenomenológica (deixar aparecer o outro) a e compreensiva (e não interpretativa) para que, com o andar da terapia, o padrão autogênico de cada um possa aparecer e fazer surgir a singularidade.