Por Fernando Fontoura
Mas se afinal a filosofia clínica é inspirada na filosofia, qual a diferença entre filosofia clínica e as outras terapias filosóficas?
Bem, essa é uma questão interessante. Iniciarei falando da relação de semelhança. Enquanto terapia filosófica, a filosofia clínica e as outras, não trabalham com diagnósticos ou tipologias das psis, seja perfil, personalidade ou aquelas aberrações do DSM da psiquiatria. Neste ponto, terapias filosóficas e filosofia clínica convergem.
No entanto, na prática terapêutica, elas divergem. Pois as terapias filosóficas, de modo geral, trabalham com as teorias ou conceitos filosóficos tais quais são estudados ou trabalhados nos filósofos dos quais se inspiram. Neste sentido, elas “encaixam” seus clientes nessas teorias ou conceitos. E é a partir deles que elas percebem o outro. A singularidade, neste momento, já se perdeu.
A filosofia clínica tem sua fundamentação metodológica na filosofia, mas não traz dela as teorias e conceitos propriamente ditos. Empresta delas algumas expressões ou percepções dos filósofos para uma prática terapêutica da qual esses conceitos ou filósofos não estavam procurando.
O que importa aqui não é o conceito ou teoria, mas como se pode adaptar na prática terapêutica esses conceitos ou teorias. O que importa é manter o espaço à singularidade, por isso a linguagem e os conceitos em filosofia clínica são formais e não trazem em si nenhuma teoria valorativa ou normativa. Os conceitos ou teorias emprestadas da filosofia são, digamos, esvaziados em seu conteúdo normativo ou valorativo para que a forma possa ser preenchida por cada partilhante.
Por exemplo, o tópico um da estrutura de pensamento da filosofia clínica se chama como o mundo parece. Não há neste tópico (como em qualquer outro) nenhum conteúdo de “como” deve ser o mundo para cada partilhante ou para alguns deles ou para todos. A República do estoico Zenão ou de Platão são escritos a partir de como o mundo parece para eles. Assim como o Manifesto Comunista de Marx ou o Leviatã de Thomas Hobbes. Percebendo que muitos filósofos escreviam sobre isso, Lúcio Packter, o sistematizador da filosofia clínica, observou que isso poderia ser um lugar, um topos ou um tópico de onde a pessoa descreve a si, o mundo ou os outros.
Nenhuma normatividade ou valor está inserido neste tópico (nem em nenhum outro), mas apenas identifica que quando uma pessoa narra muito sobre o mundo, sobre a vida, sobre as pessoas em geral ou o universo está narrando a partir do tópico como o mundo parece.
Isso é completamente diferente do que as terapias filosóficas fazem e muito diferente do que a filosofai faz. Pois neste tópico (como em qualquer outro) não um certo ou errado, apenas uma identificação de onde a pessoa se expressa.
Na questão entre a filosofia clínica e as outras terapias filosóficas, penso que essa é uma das grandes diferenças. E essa diferença resguarda aquilo que é fundamental em filosofia clínica, a singularidade.
Em outras oportunidades indicarei mais sobre as diferenças e semelhanças entra filosofia clínica e a filosofia. Por enquanto, podemos aqui demarcar essa fronteira clara entre as terapias filosóficas e a filosofia clínica no que concerne ao resguardo da singularidade.