Por Fernando Fontoura
Onde estão os fatos e qual a validade deles na filosofia clínica?
No livro Propedêutica de Lúcio Packter, o sistematizador da filosofia clínica, está que o princípio fundamental para ser terapeuta da filosofai clínica é compreender o dito tanto de Protágoras quanto de Arthur Schopenhauer. O primeiro diz, “O homem [ser humano] é a medida de todas as coisas, das coisas que são pelo que são e das coisas que não são pelo que não são”. E o segundo diz “O mundo é uma representação minha. Não conhecemos o mundo, mas como o representamos para cada um de nós”.
E então, e os fatos?
A filosofia clínica é uma terapêutica e não uma filosofia investigativa que procura nas categorias filosóficas dar conta do real enquanto real, seja o que queira se dizer com essa palavra. O que interessa terapeuticamente é a representação de si, do mundo ou dos outros que cada um traz em sua vida mental. O que é real no pensamento de cada um é real em seu mundo e, portanto, é real para ele. Não temos, como terapeutas, de corrigir essa representação do real que essa pessoa tem com uma adequação aos “fatos” como eles são. O que são fatos como eles são? A partir de que categorias podemos falar disso? Com certeza há mais de uma teoria sobre os fatos como são, tanto empiristas, como realistas, idealistas etc. Mas se formos por esse caminho já ferimos mortalmente outra premissa fundamental em filosofia clínica, a de que o partilhante é sempre a referência de tudo na terapia, inclusive e principalmente, sobre como ele representa seu mundo e tudo o que há nele.
Irmãos gêmeos que viveram no mesmo lugar e com as mesmas pessoas podem ter representações diferentes dos “fatos”. E para a filosofia clínica é isso o que interessa.
O fato de que vemos o mundo sob um prisma não leva ao fato de que os outros o vejam da mesma forma. E nem que os outros devam se comportar a partir da maneira que enxergamos o mundo. Quando vamos a cinema e vemos um filme e dizemos para um amigo “O filme que vi é ótimo, vale a pena ir ver”, e depois o amigo vai vê-lo e acha o filme ruim, só nos mostra que o filme em si, ou seja, o “fato”, não era ótimo ou ruim, mas que eu deveria ter dito “O filme que vi eu achei ótimo”. O fato de colocarmos nas coisas a avaliação do bom/mal não faz do “fato” algo assim.
Como a filosofia clínica não tem teoria sobre o certo ou errado, bom ou mal ou qualquer outro tipo de julgamento moral sobre o ser humano e suas representações de mundo, não precisamos fazer correções ou adequações de suas representações com algum modelo “pronto” já estabelecido por alguma teoria.
O impacto ou atrito terapêutico que se apresenta, muitas vezes, é entre a representação da pessoa de seu horizonte existencial e suas próprias representações mentais sobre a primeira representação. É dentro e nessas mesmas representações que devemos atuar terapeuticamente, e não fora dela. É por isso que estrutura de pensamento em filosofia clínica é tão importante em sua metodologia pois tudo passa pelo pensamento em filosofia clínica.
Bem, esse é outro assunto que falarei mais adiante.
Os “fatos” em filosofia clínica seguem as declarações do início deste texto no sentido de que só interessa as representações que as pessoas têm de sua realidade. “Fato” é aquilo que afeta o mundo mental e vivencial de cada um e é sobre isso que temos, como terapeutas, que estar atentos e compreender.