A Filosofia Clínica tem como base de sua metodologia a palavra Singularidade. Singular é aquilo que é irrepetível, como cada folha de uma frondosa árvore. Por mais parecidas que são ao longe, de perto são diferentes uma da outra. Singular também é aquilo que não tem padrão externo a si mesmo para comparação, somente poderia se comparar a si mesmo antes. Por isso mesmo irmãs gêmeas univitelinas, criadas sob a mesma casa e sobre as mesmas vivências têm experiências diferentes da vida, de si e dos outros, pois em seu interior são Singulares. É exatamente isso que a Filosofia Clínica faz em sua terapia: deixa aparecer o singular de cada um sem julgamentos de valor ou normativos. Não há base na filosofia clínica para qualquer teoria sobre como deve ser o ser humano, como deve viver, qual o padrão ou curso “normal” de vida, sentimentos, experiências, comportamentos, etc. Ser Singular é ser único e essa Singularidade é a base do atendimento terapêutico da filosofia clínica, que buscou através de seu sistematizador – Lúcio Packter – exercer uma terapia para cada pessoa Singular.
Leituras Clínicas
Por Dionéia Gaiardo – Filósofa Clínica
“O ponto de vista Partilhante, ao se deixar acessar pelos termos agendados, reivindica um leitor de raridades. O fenômeno terapia aproxima papéis existenciais da clínica com a arqueologia. Sua estética cuidadora, a descobrir e proteger inéditos, mescla saberes para acolher as linguagens da singularidade.” – Hélio Strassburger
O trecho citado está na obra “A palavra fora de si” do professor Hélio e especificamente no texto dedicado “As linguagens da terapia”. Aqui é essencial dar-se conta de que o veículo que nos faz percorrer caminhos dentro do espaço clínico é a linguagem, e nesse sentido, é papel do cuidador dar espaço de passagem e fornecer proteção às cenas que se des-cobrem sessão após sessão, acolhendo o conteúdo.
Durante esses 4 anos de clínica, atendi algumas mulheres (sim, hoje falarei delas). Sou grata pela confiança que depositam no processo clínico, sei dos meus limites de filósofa clínica aprendiz, isso não nos impede de fazer boas construções compartilhadas. Aliás, com algumas delas compartilho a busca pelo aperfeiçoamento de si, com outras compartilho as dores de repressões sociais, negligências, confusões em que nos colocamos, bem como o insurgir-se diante disso, afirmando-se a partir da singularidade, essa coisa sagrada da natureza de cada uma.
Com algumas compartilho a paixão pelas artes, a estética da vida, o poder de transformação. E tem sido incrível, no sentido de fantástico mesmo, acompanhar as autogenias que se desdobram, esses fenômenos que se ensaiam no momento clínico. Interessante observar que algumas vezes os ensaios proferidos nesses instantes, ressoam tal qual foram proferidos, outras vezes, o que aparece é inédito e aí, insisto, faz-se fundamental proteger esses inéditos.
Mas como a filósofa clínica protege os inéditos de cada uma? Deixando ser. Aquilo que se des-cobre, se revela. Da mesma forma como antigamente se revelavam as fotografias. O filme da vida da partilhante está ali, dentro do “negativo” a ser revelado, inicialmente, para ela mesma. Essa que pega nas mãos a imagem de si revelada por si mesma e faz com ela o que quiser, mostra, esconde (guarda), dos outros, de si mesma.
A filósofa clínica é esse ponto de apoio, até que a partilhante reestruture sua sustentação e passe a, não mais necessitar desse ponto como apoio. A partir daí, pode ocorrer uma expansão do seu ser em direção ao mundo, caso isso lhe seja importante. Em alguns casos a expansão de si para si mesma já é suficiente.
O que é a filosofia clínica?
É uma abordagem terapêutica criada pelo médico e filósofo gaúcho Lúcio Packter que a desenvolveu ao longo dos anos 1980 e iniciou a formação no Instituto Packter em meados dos anos 1990. Packter partiu de vinte e cinco séculos de conhecimentos filosóficos sobre a alma humana e a estruturou como um método de abordagem terapêutica.
No âmbito social, a Filosofia Clínica oferece uma perspectiva contra intuitiva nos dias de hoje onde a noção de normal ou anormal, de doença ou saúde está no âmbito daquele que fala por si mesmo, ou seja, o outro e não por padrões externos a ele. Portanto, a Filosofia Clínica não busca nem usa de parâmetros externos ou sociais para compreender ou “encaixar” o indivíduo. A Filosofia Clínica não tem teoria de nada e nem usa de teorias ou autores para compreender o outro. Nossa única “teoria” vem daquilo que cada um fala de si na presença de um Filósofo Clínico. É o Filósofo Clínico que tem que se “encaixar” no outro, e não o contrário. Com uma postura de um antropologista, a Filosofia Clínica procura compreender o outro nos termos, significados, sentidos, linguagem, práticas e valores daquele que narra sua própria história.
Qual é o diferencial da filosofia clínica?
A filosofia clínica trabalha com o pressuposto da singularidade. Assim, cada pessoa, vista de modo único, não é diagnosticada de acordo com a “norma”. Conceitos como normal e patológico não cabem no processo. E os problemas do partilhante cessarão ou encontrarão alívio por meio de uma construção compartilhada com seu terapeuta. Além de poder ser feita em consultórios, a terapia também pode ser realizada em cafés, praças, parques, enfim, onde o partilhante encontrar ambiente que mais beneficie sua partilha.
O que assegura a idoneidade do filósofo clínico?
O filósofo clínico está submetido ao Código de Ética e ao instituto ou associação a qual é ligado. Além do Instituto Packter, criado pelo estruturador da filosofia clínica, Lúcio Packter, há outras instituições como o Instituto Mineiro de Filosofia Clínica, a Associação Nacional de Filósofos Clínicos, o Instituto Sul Catarinense, o Instituto Interseção, a Casa da Filosofia Clínica e outros. Todos seguem as mesmas diretrizes de atuação.
Quanto tempo leva uma terapia na filosofia clínica?
Estima-se que uma terapia leve de seis meses até dois anos, em sessões que podem iniciar semanalmente e, gradualmente, sendo mais espaçadas para a cada uma ou duas vezes por mês. Mas, como o que conta é a singularidade, cada caso deve ser analisado individualmente. Porém, é bom destacar que o método visa tornar o partilhante autônomo, de modo que não necessite de longos períodos de terapia, nem dependência do terapeuta. Há casos em que o partilhante, após a alta, busque o consultório de tempos em tempos apenas para ajustes ou atualizações. Em outros casos, na maioria deles, a alta é definitiva.
Quem pode ser partilhante?
A princípio, não há restrições. A filosofia clínica engloba desde partilhantes psiquiátricos até pessoas que, não se vendo incomodadas com algum problema específico, queiram promover um autoconhecimento. Em geral, os que procuram o filósofo clínico trazem questões sobre relacionamento, família, profissão, vocação, perda, indecisão, sentido etc. Até mesmo partilhantes acompanhados em outras modalidades terapêuticas tradicionais e alternativas (psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais etc.) podem ser beneficiados.