Por Fernando Fontoura
Pela experiência terapêutica, posso tentar fazer um reducionismo explicativo (mas não ontológico nem epistemológico, o que podem ser problemáticos) sobre a questão de que a filosofia clínica procura sempre o bem-estar subjetivo do partilhante. A resposta é sim e não. E isso não é uma contradição, mas um contraste de níveis. Como assim?
O acolhimento terapêutico na filosofia clínica é fundamental, pois fazemos a epoché, ou a suspensão de todos nossos juízos de valor, normativos, éticos, epistemológicos sobre o outro e seu mundo para tentarmos compreendê-lo a partir dele mesmo, de suas proporás linguagens, significados, sentidos. Este momento é do acolhimento e ali o partilhante vai nos mostrar sua questão, seu sofrimento, sua busca, seja o que for. Não cabe julgamentos de valor ou normativos aqui, portanto o filósofo clínico acolhe o outro como ele se mostra sem modificar em nada o que aparece, portanto, sem interpretações ou conselhos. Este é um nível.
O outro nível é quando começamos, junto como o partilhante, a nos movimentar em direção ao objetivo terapêutico que ele estabeleceu como prioridade. Temos, então, a questão inicial a qual acolhemos e o objetivo do qual ele quer chegar. Essa distância, essa diferença entre um e outro é a trajetória terapêutica. Nesta passagem é onde a reestruturação deve acontecer. No entanto, muitas vezes, para não dizer quase sempre, com sofrimento, com dor, com muito esforço, com altos e baixos. Penso muito este momento, esta trajetória, como um processo educativo qualquer, de aprendizado de qualquer coisa. O aprendizado ou o processo educativo não acontece sem esforço e, muitas vezes, sem sofrimento. Por quê? Porque é preciso quebrar modos de ser antigos, padrões de comportamento e/ou pensamento que estão estabelecidos há muito e que terão que ser alterados, modificados, ressignificados, reestruturados em sua totalidade ou em parte. E esse processo de quebrar padrões e estabelecer novos modos de ser, seja no mundo empírico seja no mundo do pensamento, é um processo difícil, que demanda muita energia, e que, muitas vezes, incomoda ou afronta também outros que estão de fora desse modo de ser, ou seja, as outras pessoas que interagem com ela. E também normalmente essas outras pessoas podem querer que as mudanças não ocorram na pessoa, por muitos motivos.
E aqui vai meu reducionismo explicativo sobre esse nível terapêutico, o da mudança de novos modos de ser: o processo terapêutico é a trajetória entre a questão inicial e o objetivo estabelecido pelo partilhante. Essa diferença é um processo de reestruturação de modos de ser, de rearranjar novos modos de ser no mundo e/ou de pensar, portanto é um processo de quebra de padrões autogênicos e reestabelecimento de novos. Isso é um processo que requer esforço, algum sofrimento ou resistência tanto da estrutura interna da pessoa quanto das relações que ela tem no mundo. O bem-estar do partilhante neste processo não é o mesmo do acolhimento inicial, mas de andar junto com o partilhante para enfrentar e passar por essas dificuldades. Na verdade, o bem-estar não está presente neste processo como prioridade, mas no conseguir chegar ao objetivo terapêutico proposto. É por isso que neste momento é que muitas pessoas abandonam a terapia, xingam ou culpam o terapeuta ou o mundo. É aqui também que muitas pessoas são internadas em hospitais psiquiátricos ou vão aos psiquiatras e são intoxicadas com os psicoativos.
É preciso muito cuidado na percepção da interseção terapêutica pelo filósofo clínico quando está neste processo com o partilhante. Cada um tem o seu tempo, sua estrutura, seus processos internos. Não tem uma receita ou manual de como lidar com esse processo de movimento terapêutico. O filósofo clínico terá que estar muito atento à interseção terapêutica e aos movimentos da estrutura interna de seu partilhante. Na filosofa clínica não se faz tentativa e erro, não se faz do partilhante um ratinho de laboratório para ver os resultados depois. Mas se age terapeuticamente com conhecimento dos tópicos da estrutura interna do outro e seus modos de ser, ou seja, os submodos.
Uma vez efetivada essa passagem, o bem-estar do partilhante tem novamente prioridade, pois a terapia tem que funcionar para fazer o partilhante alcançar seu objetivo terapêutico. Não tem sentido passar por essa fase difícil, sofrida e o partilhante ainda se sentir o mesmo com sua dor existencial. Então, uma vez passada essa fase, o bem-estar do partilhante novamente tem prioridade. Mas todo caminho terapêutico não é um “mar de rosas”, pois depois do acolhimento e de compreender o objetivo terapêutico do outro, há de se passar por uma fase de crescimento, de descobertas, de reestruturações que não é nada fácil e que o bem-estar subjetivo não é, naquele momento, o maior objetivo terapêutico. Obviamente que o terapeuta deve tentar sempre finalizar uma terapia da melhor maneira possível para o partilhante, pois ele vai sair dali e viver sua vida.
Muitas nuances poderão acontecer neste processo, por isso, como escrevi acima, isso é um reducionismo explicativo apenas para iniciar a abordar o assunto, mas de nenhuma forma essa explicação esgota as possibilidades.