TERAPIA FUNCIONA?

Por Fernando Fontoura

Uma das frases que ouço muito, ainda mais nas aulas de formação, é que “até é importante fazer terapia, mas ela não tem um resultado objetivo, muitas vezes não dá para saber se realmente “funciona””?
Então deixa eu afirmar uma coisa: terapia da filosofia clínica funciona! E qualquer terapia deveria “funcionar”.


Mas o que é “funcionar”? E quais os critérios para a terapia da filosofia clínica “funcionar”?


Primeiro, “funcionar” é atingir um objetivo pré-estabelecido. A filosofia clínica é uma técnica terapêutica, sem adição de conteúdos normativos ou de julgamentos de valor antecipados, portanto ela não é uma terapia moral, mas uma técnica vazia de conteúdo esperando este ser preenchido pelo partilhante. E o primeiro “conteúdo” que o partilhante “preenche” é o objetivo de sua caminhada terapêutica, seja qual for: casar, separar, busca de novo trabalho, quebrar padrões de modos de ser, criar novos modos de ser, tornar-se uma pessoa melhor para si, tornar-se uma pessoa melhor para os outros etc. Portanto, há uma “linha de chegada”, um objetivo claro (às vezes mais que um, às vezes vai se descortinando no caminhar terapêutico, mas aparecerá).

Então a terapia vai “funcionar” se o partilhante se sentir satisfeito na busca de atingir seu objetivo terapêutico, estabelecido por ele mesmo. O nível do “funcionar” vai depender de cada partilhante em relação ao seu objetivo. Às vezes é necessário chegar ao desfecho completo, às vezes parte do desfecho já está bom e ele sai da terapia para completar sua jornada com “autonomia”, experienciando sua aventura existencial. E depois volta, se for o caso, para a partilha. Há vários níveis de “funcionar”, mas a terapia da filosofia clínica se compromete a chegar lá junto com o partilhante, seja onde for. Ele tem que ter ou sentir o benefício de sua dedicação de horas e dinheiro investido com o terapeuta e esse benefício vem com a consecução de seu (ou seus) objetivo (ou objetivos). Não interessa o tempo que isso levar, mas, por minha experiência, se o terapeuta estiver com a escuta “afinada”, a compreensão do ou dos objetivos do partilhante e o caminho a ser percorrido acabam por serem mais rápidos do que muitos “coachings”. Isso porque a perspectiva ampla de horizonte existencial que a filosofia clínica utiliza em sua metodologia descortina caminhos, descaminhos, vales e precipícios de uma forma clara (fenomenológica).

O terapeuta da filosofia clínica tem a seu dispor todo um “ferramental” de submodos para compreender e fazer a construção compartilhada com seu partilhante. É preciso estudar, estar atento na escuta e manter-se na metodologia. Aí entra o outro aspecto do que estou falando aqui, ou seja, quais são os critérios para a terapia da filosofia clínica funcionar.


Em primeiro lugar, fazer uma boa formação. O que é uma “boa” formação? Aquela que se mantem dentro do horizonte da própria filosofia clínica, sem buscar “penduricalhos” metodológicos ou epistemológicos para ela. Tudo o que o terapeuta precisa para praticar a filosofia clínica está em sua própria metodologia, qual seja, exames categoriais, tópicos da estrutura de pensamento e submodos. São apenas três eixos, mas que abrangem uma combinação quase infinita de possibilidades de ser terapeuta e de acolher a singularidade.


Em segundo lugar, e, para mim, a parte fundamental, é realizar uma boa supervisão de estágio. O que é “boa” aqui? É ser avaliativa dentro dos parâmetros da própria metodologia. Parece que há uma confusão entre o acolhimento da formação e a supervisão de estágio. Como professor da formação, tenho a postura terapêutica neste espaço de aprendizagem, pois ali, apesar de não ser uma relação terapêutica em si, é necessário um certo eixo terapêutico dos professores, pois é uma formação de desenvolvimento pessoal, e não de culinária ou mecânica. A formação mexe já diretamente em níveis do próprio ser dos alunos, em diferentes níveis e intensidades. Então, há a possibilidade de haver mudanças pessoais nos modos de ser ou pensar dos alunos durante a formação, e o professor, que para a Epoché deve ser terapeuta atuante, deve estar atento a isso e acolher esses movimentos dos alunos. É, portanto, um ambiente tanto epistemológico – de aprendizado – quanto um ambiente terapêutico mitigado.


A diferença é que a supervisão tem um objetivo avaliativo, pois dali vai sair (ou não) uma pessoa apta a cuidar das questões existenciais de muitos outros seres humanos. O objetivo maior da supervisão é manter a mensagem libertária e emancipadora da filosofia clínica a partir daquele postulante a terapeuta. Não é dar um “certificado” ou “fabricar” terapeutas à revelia da metodologia nem à parte dela. A Epoché quer terapeutas da filosofia clínica que levem a mensagem originária da terapia, que é, como escrevi acima, libertária e emancipadora, e não qualquer outra mensagem. E neste espectro, há uma avaliação diretiva sobre o exercício terapêutico do supervisionado. Não somente para manter a mensagem da filosofia clínica, mas para o próprio postulante a terapeuta poder exercer sua atividade com bases sólidas às quais não irão tremer ou ruir por qualquer “abalo” no decorrer da experiência terapêutica.


O tempo mínimo de estágio é de seis meses, mas pode ser que não pare por aí, se a avaliação do supervisor compreender que o ser terapeuta do supervisionado não está pronto. Quando vejo pessoas formadas e já atuantes em filosofia clínica com fragilidades na expressividade do método ou com relatos de atendimentos voltados para outras metodologias ou teorias que não a filosofia clínica, vejo ali a fragilidade da supervisão.


Sempre há acolhimento em filosofia clínica, em todas as fases de interação com ela, mas a supervisão é um ambiente de avaliação, onde faz parte do acolhimento ser honesto sobre o aperfeiçoamento ou não do ser terapeuta do estagiário. Se você pensa somente em “ganhar” um certificado de terapeuta ou de “formalizar” um caminho epistemológico que iniciou na formação, não venha fazer estágio com a Epoché. Estamos interessados em pessoas, não em “formalizações” vazias.


Nunca podemos garantir o sucesso do terapeuta formado por nós, pois os caminhos existenciais circunstanciados pela historicidade de cada um é sempre uma porta entreaberta para vários caminhos, mas para o início desta caminhada garantimos que funciona, pois quem se forma pela Epoché sabe que passou pela prova de “fogo” daqueles professores que ajudam a robustecer o ser terapeuta de seus supervisionados.


Se você fizer terapia com um filósofo clínico que tenha tido uma boa supervisão (mesmo que a formação não tenha sido tão “boa”), ele provavelmente irá fazer uma partilha terapêutica que funciona, seja qual for o objetivo ou o caminho a percorrer.

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Publicado por epochefilosofiaclnica

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